Título: Nostalgia dos tempos de
menina
Royal Club for Literature and Peace
Título: Nostalgia dos tempos de
menina
Autora: Céu Cruz
Título: Nostalgia dos tempos de menina
Autora: Céu Cruz
Em um lugar esquecido da minha memória, onde as sombras são luz do que já fui, escancaram risos de tempos idos, de uma era em que a felicidade não vestia roupas de seda, mas sim o simples e puro algodão das brincadeiras ao ar livre. Não havia luxos na minha vida; os confortos eram miragens em qualquer horizonte distante. Porém, na escassez material, encontrei a verdade radiante e pura da infância.
Às vezes, sinto falta da leveza daqueles dias, quando a única preocupação era a direção do vento e o eterno retorno do pião que girava como um pequeno frenesim nas palmas das minhas mãos. Sim, o pião! Ele era o meu tesouro, um símbolo de um tempo em que as risadas acordavam com a mesma despreocupação do brinquedo dandovoltas. Ao revirar os bolsos, encontrava não moedas reluzentes, mas caricas, pequenas redondezas coloridas que contavam histórias de partidas e conquistas imaginárias.
E no fundo do outro bolso, escondiam-se pedras que, por um capricho de minha criatividade, tinham o nome de berlindes. Não sei, não eram brilhantes como as dos meninos ricos, nem coloridas, mas eram cuidadosamente escolhidas nas águas mansas do rio. E eram minhas! Elas eram tesouros mais preciosos do que quaisquer diamantes a brilhar sob a luz do dia. Se bem que nunca vira um diamante, a julgar pela cor seria o berlinde mais lindo de todos. Com pedras, construía castelos e mundos inteiros, onde a única regra era a liberdade de sonhar. Assim, cada rocha revestida de poeira trazia a poderosa essência da inocência, cada uma delas, era como um fragmento de um mundo onde tudo era possível.
E mesmo as calças rotas, que hoje poderiam ser símbolos de luxo, na infância eram apenas mais um detalhe na pintura vibrante da minha existência, e da marca da pobreza. Elas narravam aventuras, quedas e risadas sinceras; feridas que, em vez de dor, traziam consigo o orgulho de quem se atreveu a viver. Cada rasgo era uma lembrança de uma corrida apressada ou uma escalada ousada em busca de novas alturas e mistério.
Subia até à rocha mais alta, como tentativa de localizar uma tribu antiga. Quiçá além do velho moinho pudesse encontrar um verdadeiro tesouro. Um pote esquecido, uma velha panela, ou até alguma moeda de cobre, porque os pobres completam-se sem ouro. Às vezes, entrava num emaranhado de vegetação que parecia impossível de transpor. Estas aventuras já não são importantes nos dias de hoje, mas ainda gosto de as viver.
Os ecos de risos infantis permanecem nas arestas do tempo, espreitam na calada da noite e despertam-me. E a minha alma, nascida entre aquelas singelezas, agarra-se à nostalgia como a um cobertor quente numa noite fria. A saudade dos tempos de menina é um perfume que me envolve suavemente, trazendo à superfície a essência da simplicidade que, no meio das complexidades da vida, se torna um mapa para guiar o meu coração. Em cada lembrança, encontro o consolo de um mundo onde a felicidade radiava nas pequenas coisas, onde o brincar era um ato sublime, e a alegria, um tesouro que nunca se esgota.
As tardes chuvosas eram de leitura. A biblioteca itinerante era esperada com euforia. Não havia grande coisa além disto, mas cada rosto de menino tinha um sereno olhar.
Coloridos de pureza brincávamos ao molho! E o largo da igreja era o melhor lugar!
No recreio da escola vazia jogava-se à bola. E os saltos de macaca não nos deixavam parar.
O pão era negro, do centeio, o trigo era vendido para a cidade. Tantas vezes me perguntava como seria o pão de verdade!
Hoje, olhando para tantos tesouros que ficaram nos livros de história, sinto a alegria de cozinhar no pote, de comer pão centeio torrado nas brasas, só não tenho os risos de menina nem os passeios até aos moinhos. A idade levou-me os ossos, secou-me a pele, só não me rouba as lembranças daquele tempo.
Portugal 16-05-2025
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